«Perdemos a memória das palavras, mas não a memória das emoções.» — Os Desorientados, Amin Maalouf.
No meio do crepúsculo da estabilidade, o Líbano encontra-se mais uma vez no vórtice de um conflito que parece não ter fim. As recentes ondas de violência, impulsionadas pelo intercâmbio de hostilidades entre Israel e o grupo chiita Hezbollah, reavivaram as chamas de uma antiga disputa que ressoa através do tempo e da literatura. Este último capítulo do drama libanês começou quando aproximadamente 300 foguetes cortaram o céu, lançados por Hezbollah em direção a Israel, provocando uma resposta feroz com ofensivas aéreas que tingiram de tragédia o solo libanês. Os bombardeios resultaram em um doloroso número de mais de 550 almas perdidas, incluindo 50 crianças, com outros 1.835 feridos, deixando cicatrizes no coração da nação que serão narradas por gerações.
O mundo observa com apreensão enquanto a França convoca o Conselho de Segurança da ONU em uma tentativa urgente de mitigar o conflito, e os Estados Unidos exortam os seus cidadãos a evacuar, sinalizando um sombrio presságio de Joe Biden sobre o risco de uma guerra total. Um recente ataque israelita adicionou mais lenha à fogueira, com a morte de um comandante do Hezbollah, intensificando a atmosfera de um possível conflito regional que poderia desencadear consequências devastadoras a escala global.
Nesse contexto de desassossego contínuo, os escritores e poetas libaneses, guardiões da memória e da consciência cultural, transformam-se em vozes de uma verdade que transcende o tempo. Desde as plumas de figuras literárias como Elias Khoury ou Hanan al-Shaykh, é traçada a crónica de um país eternamente em luta. Khoury, com o seu vasto repertório que inclui obras como «Yalo» ou “A caverna do sol», captura a perpétua resiliência do espírito libanês, enquanto al-Shaykh, através das suas narrativas em «Beirute Blues», destila a essência de uma Beirute que chora, mas nunca se rende. Amin Maalouf, embora resida em França, continua a ser uma voz destacada na diáspora libanesa. Em «Os desorientados», Maalouf aborda a desintegração das amizades e dos ideais sob o peso da guerra civil libanesa, sinalizando como os conflitos regionais têm ramificações que se estendem muito além das fronteiras nacionais. Maalouf questiona a identidade em tempos de deslocamento e guerra, perguntando como se pode manter a coerência pessoal e cultural em meio ao caos.
Os criadores, com a sua profunda sensibilidade e compromisso com a justiça e a verdade, oferecem uma janela para o complexo mundo da sociedade libanesa, onde cada fio conta a história de lutas passadas e presentes. As suas obras são testamentos de resistência e testemunhos das sequelas emocionais e físicas que os conflitos têm impregnado no tecido da vida libanesa. Através das suas narrativas, não apenas documentam a história, mas também buscam oferecer uma catarsis e, talvez, uma via para a paz em um panorama marcado por cicatrizes de guerra.Em momentos como este, onde a história parece repetir-se com uma regularidade desgarradora, a literatura oferece não só consolo, mas também clareza e entendimento. Através das palavras dos seus escritores, o Líbano continua a buscar a sua voz em um coro de discórdias internacionais, clamando por um capítulo onde a paz seja mais do que um interlúdio fugaz entre atos de violência.
Rosa Amor del Olmo
25/09/2024